No meio do nosso caos, nosso adeus

21/03/2018

[Ler ouvindo Um filme - Mafalda Veiga]


Aquele quarto tinha nossos planos e conversas. Brigas e acertos. Nosso cheiro impregnado em cada canto, em cada lençol amassado. E dali, daquele cantinho da varanda, pela fresta da cortina vejo um raio de sol iluminar teu rosto. Fico a observar cada detalhe do teu corpo deitado de bruços. Corpo esse que conheço tão bem. Vejo as marcas da noite anterior cravado em suas costas, assim como também sinto as marcas espalhadas pelo meu próprio corpo. Mais uma tragada no cigarro black que carrego entre os dedos. Mais uma observada em ti, para olhar novamente o mundo lá fora. Me perco em pensamentos intensos e lembranças gostosas. O cheiro dos nossos corpos me traz a tona novamente e quando resolvo adentrar naquele metro quadrado que se tornou nosso ninho, a realidade bate com força. No espelho o trincado causado pelo arremesso do seu copo cheio de bebida, no chão os cacos de vidros denunciam sua raiva de mais uma de nossas incontáveis brigas só naquela semana. O tapete manchado com seu Whisky barato e preferido. Nossas roupas jogadas como prova de que mais uma vez terminamos essa discussão na cama. Da maneira que só a gente sabe encerrar uma discussão. Lençol amassado. Nossos corpos marcados. E mais um dia vai amanhecer como de costume. Corpos entregues, paixão e calmaria até a próxima briga. E nosso quarto na zona que já nos habituamos tão bem. Junto os papéis espalhados, carregando nossos planos futuros. Casa, viagens, família, profissão. Tudo tão lindo e perfeito se esses planos não fossem nossos. Somos uma maioria de erros que se acomodou na minoria dos acertos. Mais um cigarro. Um gole na bebida que restou da noite anterior no meu copo. Uma última olhada nos papéis, antes de observar cada detalhe teu que gosto e conheço tão bem. Teus olhos fechados, a nudez da tua pele, o leve arfar da tuas costas denunciando a respiração pesada, o cansaço da noite que cessou. Só que, infelizmente, não dar mais! Pego a mala e arrumo minhas coisas antes que você acorde e me peça para ficar. E prometa que vai mudar. E me pegue de jeito, me jogue na cama bagunçando meus cabelos e sentimentos. É hora de partir. De ir e seguir. No chão mais um papel. Rabiscado. Amassado. Rasgado. O local perfeito para te escrever meu último adeus. 

Kaly Bandeira

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